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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

MPF recomenda que IPHAN não publique a Instrução Normativa 01/2014.

RECOMENDAÇÃO 02/2014
GT Patrimônio Cultural - PA 1.00.000.007294/2008-19

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no desempenho de suas funções de defensor da ordem jurídica vigente e de zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal (arts. 127, caput, e 129, II), entre eles o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mediante a preservação do patrimônio cultural brasileiro e a definição de espaços territoriais especialmente protegidos (artigos 225, § 1º, III e 216), com amparo no artigo 27, parágrafo único, IV, da Lei 8.625/93, por intermédio da Procuradora da República ao final assinada e
CONSIDERANDO que cabe ao Ministério Público a expedição de recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis, com fulcro no artigo 6º, inciso XX da Lei Complementar n.º 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União);
CONSIDERANDO que, segundo os ditames da Recomendação sobre a conservação dos bens culturais ameaçados pela execução de obras públicas ou privadas, exarada pela Conferência Geral da UNESCO, em sua 15ª Sessão, em Paris, datada de 19 de novembro de 1968, os países que compõem o referido organismo internacional devem assegurar que seja realizado o salvamento ou resgate dos bens culturais situados em local que deva ser transformado pela execução de obras públicas ou privadas;
CONSIDERANDO que, conforme dispõe o artigo 216, inciso V, da Constituição da República, constituem o patrimônio cultural brasileiro “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”, dentre outros bens que remetem à formação do povo brasileiro;
CONSIDERANDO que a recente minuta da IN 01/2014, objeto de intensos debates em audiência pública realizada pelo MPF em 13/10/2014, se propõe a regular toda e qualquer atuação do IPHAN no curso de licenciamento ambiental, detalhando, com ênfase especial, a atuação da autarquia federal no que tange ao seu poder-dever de proteção ao patrimônio arqueológico, previsto na Lei 3.924/61;
CONSIDERANDO que a participação do IPHAN nos licenciamentos ambientais, conforme minuta da IN 01/2014, se fundamenta apenas na tipologia e tamanho dos empreendimentos, desconsiderando o critério locacional para definição de intervenção da autarquia, fazendo com que áreas de alto potencial arqueológico - v.g., áreas cársticas ou de ocorrência de cavidades naturais subterrâneas, zona costeira, unidades de conservação criadas com o objetivo de proteção do patrimônio cultural, bacias paleontológicas, sítios históricos coloniais - sejam desconsideradas como merecedoras de especial tratamento protetivo;
CONSIDERANDO que a minuta de Instrução Normativa 01/2014 não contempla como bens acautelados em nível federal, v.g., os Monumentos Nacionais; o patrimônio paleontológico; os sítios espeleológicos; as obras produzidas até o final do período monárquico; as paisagens culturais; as unidades de conservação criadas com o objetivo de proteger o patrimônio cultural, o que implica em omissão da atuação do órgão nacional de proteção do patrimônio cultural;
CONSIDERANDO que a minuta de Instrução Normativa 01/2014 prevê a revogação da Portaria IPHAN 28/2003, que estabelece que, quando da renovação das licenças de operação, deverá ser exigida a realização de projetos de levantamento, prospecção, resgate e salvamento arqueológico nas faixas de depleção das Usinas Hidrelétricas, ao menos entre os níveis médio e máximo de enchimento aos reservatórios de empreendimentos já implantados e que não foram objeto de pesquisas arqueológicas, sem prever, contudo, mecanismos para atuação da autarquia no licenciamento arqueológico corretivo desses empreendimentos (ausência de previsão no anexo II);
CONSIDERANDO que a Audiência Pública mencionada possibilitou amealhar farto acervo de contribuições, de ordem técnica e jurídica, objetivando o aperfeiçoamento do projeto de IN 01/2014;
CONSIDERANDO, com base especificamente no texto da minuta da IN, que:
1 – artigo 4º, § 1º, inciso II – não há delimitação de parâmetros orientadores da possibilidade de “avocação” da atuação do IPHAN, originalmente da superintendência local, pela presidência da autarquia, fazendo-se necessário estabelecer tais parâmetros e ratificar que qualquer ato de avocação tem a natureza de ato administrativo vinculado, para o qual deve ser formalizada sua motivação, sob pena de mácula aos princípios da moralidade e impessoalidade da Administração Pública, trazendo como consectário a nulidade do ato;
2 – artigo 10, § 2º - a redação impossibilita, na prática, a inserção do IPHAN nos licenciamentos que envolvam bens, localizados na AID do empreendimento, ainda em processo de acautelamento, eis que os formulários próprios sequer chegarão à autarquia. Note-se que os procedimentos de acautelamento ainda não concluídos não constam nos bancos de dados do IPHAN, os quais servem como base para que o órgão licenciador notifique a autarquia federal para participação no processo;
3 – artigo 13, inciso III – a existência de comunidades tradicionais, não reconhecidas, não raro é feita no curso dos licenciamentos ambientais. Na ausência de qualquer previsão, na IN 01/2014, de imediata comunicação à autarquia para sua regular atuação, inclusive para preservação do patrimônio imaterial vinculado a tais comunidades, há imenso risco de sua desagregação se concretizar sem a devida proteção estatal, com perda de importante recorte vinculado à formação do povo brasileiro;
4 – artigo 15 – a inexistência de previsão de ser o TCE um mínimo de documentação em qualquer licenciamento ambiental, integrando, frise-se, todo e qualquer licenciamento ambiental nas três esferas da federação, implica em grave mácula ao princípio da prevenção;
5 – artigo 20, inciso X e 23, inciso IV - não deixa claro que a prioridade na preservação de sítios arqueológicos é, conforme carta de Nova Dheli, a preservação in situ;
6 – artigo 28 c/c artigo 29 c/c artigo 33 – para empreendimentos de nível IV não há clara previsão da possibilidade da conservação in situ;
7 – artigo 34, inciso IV – confere ênfase apenas na guarda e pesquisa de material arqueológico, sem indicação de como se dará a exposição de bens e difusão do conhecimento oriundo da pesquisa;
CONSIDERANDO, por fim, as contribuições oriundas de membros do MAE-USP, UFMG, Peruaçu Arqueologia, Cooperativa Cultura, IEF/SISEMA, LAEP/UFVJM, Scientia Consultoria Científica, IPHAN, Sociedade Brasileira de Espeleologia –SBE, UNISUL e Sociedade de Arqueologia Brasileira, as quais, devidamente protocolizadas em audiência, passam a ser parte integrante dos fundamentos desta RECOMENDAÇÃO
RESOLVE
RECOMENDAR ao IPHAN, através de sua Presidente, Jurema Machado, que se abstenha de publicar a IN 01/2014 na forma como apresentada no evento ocorrido no dia 13/10/2014, em razão dos fundamentos fáticos e jurídicos acima expostos;
REQUISITAR que a autarquia federal encaminhe ao MPF, no prazo de 30 (trinta) dias, resposta quanto ao acatamento da presente, apresentando nova minuta de instrução normativa ou justificando sua eventual discordância.
Belo Horizonte/MG, 22 de outubro de 2014.

Sandra Verônica Cureau
Subprocuradora-Geral da República
Coordenadora da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão
Zani Cajueiro Tobias de Souza
Procuradora da República
Coordenadora do GT Patrimônio Cultural

Gisele Elias de Lima Porto
Procuradora Regional da República

Lívia Tinoco
Procuradora da República

Renato de Freitas Souza Machado
Procurador da República

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