Muito perto do sítio onde se tinha descoberto, em 1974, o
esqueleto de Lucy, o australopiteco mais famoso, encontraram-se agora alguns
ossos da cara de um pré-humano. Têm cerca de 3,5 milhões de anos e a equipa que
os descobriu diz que são de uma nova espécie de australopiteco. Mas há
cientistas que já discordam.
Primeiro
os factos: a revista Nature publica esta quinta-feira um
artigo científico que anuncia a descoberta de uma nova espécie de
australopiteco. A equipe de Yohannes Haile-Selassie, do Museu de História
Natural de Cleveland, nos EUA, chama-lhe Australopithecus deyiremeda e
fundamenta a existência deste novo australopiteco na descoberta de duas
mandíbulas e de um maxilar, com 3,3 a 3,5 milhões de anos, na região de Afar,
na Etiópia, em 2011. Muito perto desse sítio tinha-se encontrado, em 1974, o
celebérrimo esqueleto de Lucy, uma fêmea da espécie Australopithecus
afarensis. Para a equipa, os novos fósseis são uma confirmação indubitável
de que pelo menos duas espécies de pré-humanos viveram na mesma região e ao
mesmo tempo, numa altura em que já não faltava muito para o aparecimento do
género Homo — ou seja, dos primeiros humanos.
Actualmente,
já se sabe que entre há três e quatro milhões de anos, na época do Plioceno
Médio, o planeta era povoado por mais do que uma espécie de hominíneos — a
subfamília de todos os nossos antepassados a seguir à separação do ramo dos
chimpanzés, o que ocorreu há cerca de oito milhões de anos. Hoje, somos o único
membro dessa subfamília. Mas nem sempre a ideia de existência de vários
hominíneos no Plioceno Médio, e na mesma área geográfica, foi facilmente aceite.
Essa altura é particularmente importante na história da evolução humana por ser
pouco tempo antes do aparecimento dos humanos.
Durante
muito tempo, parecia que uma espécie de hominíneos tinha dado lugar a outra e
depois esta a outra, até que apareceram os primeiros Homo, há 2,8 milhões de
anos. Era pelo menos o que se pensava que indicavam os fósseis que se iam
descobrindo. Só que a árvore da evolução humana tem muitos ramos, alguns
simultâneos, que secaram pelo caminho — no fundo, experiências evolutivas que
não desembocaram em nada.
A ideia
da coexistência de vários hominíneos ganhou peso com a descoberta dos fósseis
do Australopithecus bahrelghazali (embora hoje haja dúvidas
de que se trate de um novo australopiteco e muitos cientistas consideram-no, afinal,
um Australopithecus afarensis), em 1995 no Chade, e do Kenyanthropus
platyops, em 1998 no Quénia. Tanto o Australopithecus
bahrelghazali como o Kenyanthropus platyops (ou
“homem do Quénia com face plana”) viveram justamente há cerca de 3,5 milhões de
anos no Leste de África — ou seja, na mesma altura e na mesma área geográfica
de Lucy, cuja descoberta representou um marco na paleoantropologia e ainda hoje
é uma super-estrela entre os fósseis pré-humanos.
Classificada
logo em 1978 como Australopithecus afarensis, a Lucy viveu há 3,2
milhões de anos, media cerca de um metro de altura e — o mais surpreendente —
já era bípede. Até à descoberta do seu esqueleto, não existiam provas concretas
desse modo de locomoção numa espécie de hominíneos com mais de dois milhões de
anos. Os ossos da bacia, das pernas e dos pés de Lucy foram provas essenciais.
Além de caminharem em duas pernas, sabemos agora que os indivíduos da mesma
espécie de Lucy — que existiu num período de tempo entre há 3,8 e 2,9 milhões
de anos — também se sentiam confortáveis em trepar às árvores.
Agora, a
equipa coordenada por Yohannes Haile-Selassie encontrou o maxilar, ainda com os
dentes, e as duas mandíbulas (de indivíduos diferentes, portanto) de um
hominíneo na área de Woranso-Mille, na região de Afar. Em Março de 2011, os
cientistas estavam à procura de fósseis naquela área porque já tinham
encontrado aí a impressão parcial de uma pegada de hominíneo, datada com 3,4
milhões de anos e que consideraram, num artigo na revista Nature em
2012, revelar uma nova maneira de andar e confirmar a diversidade nos
hominíneos do Plioceno Médio. “O espécime era contemporâneo do Australopithecus
afarensis, mas demonstrava a existência de um modo distinto de locomoção
bípede”, lembra agora a equipa de Yohannes Haile-Selassie.. Mas sem ossos do
crânio, incluindo mandíbulas, maxilares e dentes, era difícil identificar o
autor da pegada parcial.
Encontraram
realmente ossos, mas como nenhum estava associado à pegada parcial, continua a
não ser possível atribuir-lhe um autor. Mas a equipa considerou que lhe saiu na
mesma a sorte grande, uma vez que classificou os ossos como sendo de uma nova
espécie de australopiteco. Os cientistas consideraram que, apesar de os ossos
da cara e os dentes terem mais características de australopiteco do que de
outros hominíneos, tinham diferenças suficientes para serem atribuídos a uma
espécie nova de australopiteco. Eis assim o Australopithecus
deyiremeda, em que a designação específica é composta por duas palavras da
língua da região de Afar: deyi, que significa “próximo”, eremeda,
que quer dizer “parente”, porque, argumentam os cientistas, “esta espécie é um
parente próximo de todos os hominíneos posteriores”.
Fonte: Publico
Link: http://www.publico.pt/ciencia/noticia/novos-fosseis-da-etiopia-vem-complicar-um-pouco-mais-a-historia-da-evolucao-humana-1697112
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