A entrada da Baía de Guanabara devia ser uma verdadeira “Babilônia de
águas e ilhas”, como imaginou o historiador Varnhagen sobre a geografia
da região no final do século XVI. A frota comandada por Estácio de Sá
chegou na guanabara no dia 28 de fevereiro de 1565, e seus navios eram
castigados por uma chuva intensa que esteve presente ao longo dos
primeiros dias da empreitada. Com a missão de construir um povoado no
coração do território tamoio, onde habitavam indígenas inimigos dos
portugueses, a localização ideal para a instalação do arraial era uma
grande preocupação do capitão Estácio.
Em uma posição estratégica favorável, Estácio de Sá escolheu um istmo
da península de S. João, uma faixa de terra à sombra do monte conhecido
como Pão de Açúcar para ser o local de fundação do novo povoado. Ali,
no dia 1º de março de 1565, Estácio ordenou que se erguesse uma cerca
que seria o núcleo inicial da muy leal e heroica cidade de São
Sebastião.
“(…) começaram a roçar em terra com grande fervor e cortar madeira
para a cêrca”, relata o jesuíta José de Anchieta, que acompanhava a
missão. Ainda sob forte chuva, os primeiros colonizadores passaram o
primeiro dia cortando madeira e retirando o mato, “ocupando-se cada um
em fazer o que lhe era ordenado por ele (Estácio), a saber: cortar
madeira, e acarretá-la aos ombros, terra, pedra, e outras coisas necessárias para a cêrca, sem haver nenhum que a isso repugnasse; desde o
capitão-mór até o mais pequeno todos andavam e se ocupavam em
semelhantes trabalhos”.
A chuva que caía inclemente foi interpretada pelos homens de Estácio
como um sinal de ajuda divina, já que não havia água boa perto do
cercado. O grande volume de água era o suficiente para abastecer o
povoado ao longo das próximas semanas. “(…) e porque naquele lugar não
havia mais que uma légua de ruim água, e esta era pouca, o dia que
entrámos choveu tanto que se encheu, e rebentaram fontes em algumas
partes, de que bebeu todo o exercito em abundância, e durou até que se
achou água boa num poço, que logo se fez; (…) e se vão firmando mais na
vontade que traziam de levar aquela obra ao cabo, vendo-se tão
particularmente favorecidos da Divina Providencia”, relata Anchieta em
carta ao Provincial de Portugal.
Preocupado com os futuros ataques dos tamoios, o cercado logo se
transformou em um abrigo murado. À essa povoação deu Estácio de Sá o
nome de São Sebastião, em homenagem ao santo patrono do Rei de Portugal.
Evangelho nas Selvas, por Benedito Calixto (1893). Divulgação: Pinacoteca do Estado de São Paulo
Não era nada fácil a vida dos povoadores portugueses no
arraial de São Sebastião. A povoação era alvo constante dos ataques de
Aimberê e de seus índios tamoios. A missão de Estácio era uma só:
sobreviver. Enquanto aguardava reforços de seu tio, Mem de Sá, e da
coroa portuguesa, Estácio deveria repelir a todo custo os ataques
indígenas e manter a fortificação viva.
Não se passou nem uma semana da fundação da cidade e um grande ataque
dos tamoios ao arraial se deu no dia 6 de março de 1565. Aproveitando
as frágeis defesas da fortificação, Aimberê estava convicto de que
precisava expulsar os portugueses da região o mais rápido possível. “Os
Tamoios começaram logo a fazer ciladas por terra e por mar; mas os
nossos não curava senão de cercar-se e fortalecer-se, parecendo-lhes que
não faziam pouco em defender dentro da cerca”, relatou José de
Anchieta. De acordo com o padre Leonardo do Vale, outra testemunha dos
ataques, era tão grande o número dos nativos que “parecia a ver cento
para cada um dos nossos”. O ataque dos índios foi repelido, sendo essa a
primeira vitória militar comandada por Estácio de Sá.
Vitória que mal podia ser comemorada, pois quatro dias depois,
Estácio seria testado novamente. No dia 10 de março, uma nau francesa
foi avistada na Baía de Guanabara pelos colonizadores apreensivos.
Receoso de um futuro ataque, Estácio de Sá resolve tomar a iniciativa e
comanda um ataque à embarcação francesa. O que ele não esperava era que
estava caindo em uma armadilha. Tão logo rumou contra a nau francesa, os
índios tamoios aproveitaram para atacar São Sebastião em 48 canoas,
como é relatado também pelo padre Leonardo do Vale. A vitória dos
portugueses foi tão significativa, que eles não apenas conseguem
derrotar os índios como também capturam a nau francesa.
Os feitos militares do capitão Estácio seriam mais do que suficientes
para elevar a moral e o espírito da povoação de São Sebastião. Mas
apesar das vitórias, os povoadores passaram dias de extremo sacrifício.
Além dos sucessivos ataques dos tamoios – que já era um enorme problema
por si só –, o arraial passou a viver sem provisões e com algumas crises
de fome ao longo dos primeiros meses. Para piorar a situação, José de
Anchieta registra que “o maior inconveniente que ali havia, ultra da
fome, é que estão lá muitos homens de todas as capitanias, os quais
passa de ano que lá andam, e desejam ir-se para suas casas; se os não
deixam ir perdem-se suas fazendas, e se os deixam ir fica a povoação
desamparada, e com grande perigo de serem comidos os que lá ficarem…”
Estácio contava com muitos homens provenientes de São Vicente em seu
grupo; colonizadores que deixaram suas terras para fundar a cidade. O
medo de que suas fazendas desprotegidas estariam sendo atacadas era
motivo suficiente para alguns pensarem em deserção, sem contar o cansaço
físico da longa campanha e a falta de alimentos que abatiam todos eles
A moral dos povoadores caía dia após dia. Lutando também para manter a
confiança e o espírito do grupo em alta, Estácio de Sá “nunca
descansava nem de noite e de dia”. Estácio precisava de ajuda, sem a
qual toda a missão estaria comprometida.
RUGENDAS, Johann Moritz. Viagem Pitoresca Através do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário