ROLAND BROOKES/THE MARITIME TRUST. Garry Momber da United Kingdom’s
Maritime Archaeology Trust explora um sítio subaquático de 8000 anos
atrás, onde trigo domesticado foi encontrado.
Por Michael Balter
Caçadores-coletores podem ter trazido
produtos agrícolas às Ilhas Britânicas comercializando trigo e outros
grãos com os primeiros agricultores do continente europeu. Essa é a
conclusão intrigante de um novo estudo de DNA antigo de um acampamento
caçador-coletor agora submerso ao largo da costa britânica. Se for
verdade, o achado sugere que o trigo fez o seu caminho para a borda mais
distante da Europa Ocidental 2000 anos antes de ter-se pensando que a
agricultura tenha tomado conta na Grã-Bretanha.
O trabalho confronta arqueólogos “com o
desafio de ajustar isso à nossa visão de mundo”, afirma Dorian Fuller,
um arqueobotânico da University College London que não estava envolvido
no trabalho.
Por décadas, arqueólogos pensaram que os
primeiros agricultores do Médio Oriente mudaram para a Europa
inicialmente há aproximadamente 10500 anos tendo substituído ou
transformado as populações caçadoras-coletoras enquanto moviam-se para o
Oeste, não alcançando a Grã-Bretanha até cerca de 6000 anos atrás. Mas
essa visão já sofreu algumas alterações. Descobertas recentes, por
exemplo, têm mostrado que alguns agricultores iniciais coexistiram com
os caçadores-coletores já vivendo na Europa ao invés de rapidamente os
terem substituído. Em 2013, pesquisadores relataram que, começando há
cerca de 6000 anos atrás, agricultores e caçadores-coletores haviam ambos sepultado os seus mortos na mesma caverna na Alemanha
e continuado a fazer isso por 800 anos, sugerindo que os dois grupos
estivessem em contato próximo. Mais controversamente, pesquisadores
afirmaram que há cerca de 6500 anos atrás caçadores-coletores na Alemanha e Escandinávia podem ter adquirido porcos domesticados por agricultores nas proximidades.
Os novos achados prometem perturbar ainda
mais o cenário no qual a agricultura marchou constantemente de leste
para oeste. Uma equipe liderada por Robin Allaby, um geneticista de
plantas da University of Warwick no Reino Unido, estava procurando pela
mais antiga evidência de plantas domesticadas nas Ilhas Britânicas. Os
pesquisadores decidiram dar uma olhada em um sítio subaquático chamado
Bouldnor Cliff, a 250 metros da costa, do povoado de Bouldnor no canto
noroeste da Ilha de Wight. (A ilha está no Canal da Mancha próxima à
costa sul da Grã-Bretanha).
Bouldnor Cliff, localizado 11 metros
abaixo da superfície da água, foi descoberto em 1999, quando o United
Kingdom’s Maritime Archaeology Trust posta em seu website,
“uma lagosta foi vista jogando sílex trabalhados da Idade da Pedra, de
sua toca”. Arqueólogos têm trabalhado no local desde então. O sítio foi
claramente ocupado por caçadores-coletores , que podem ter construído
barcos de madeira. A equipe de Allaby recolheu quatro amostras de núcleo
de sedimentos a partir de uma seção do sítio com cascas de avelã
queimadas aparentemente deixadas pelos caçadores-coletores e submeteram
as amostras a ambas as datações por radiocarbono e análise de DNA
antigo. As amostras de madeira e plantas foram datadas entre 8020 e 7980
anos antes do presente, após o sítio ter sido inundado pela elevação
dos mares que criaram o Canal da Mancha e separaram a Grã-Bretanha da
França.
Para a análise de DNA antigo, a equipe
usou métodos pioneiros do paleogeneticista Eske Willerslev da University
of Copenhagen para recuperar e sequenciar o material genético
deixado em sedimentos mesmo após as plantas que o contiveram terem
desintegrado. Como poderia se esperar, Allaby e seus colegas encontraram
DNA de uma ampla variedade de árvores e plantas conhecidas em terem
povoado o sul da Grã-Bretanha 8000 anos atrás, incluindo carvalho,
choupo, e faia, juntamente com várias gramíneas e ervas. Mas a equipe
também teve uma grande surpresa: entre as amostras de DNA havia dois
tipos de trigo domesticado que se originaram no Oriente Médio e que não
possuem ancestrais selvagens no norte da Europa. Isso significa que eles
devem ter sido associados à original disseminação da agricultura do
Oriente Médio, inciando há cerca de 10500 anos atrás, em vez de terem
sido localmente domesticados. Ainda assim muitos arqueólogos supõem que
por volta de 8000 anos atrás a agricultura não estava mais à oeste do
que a região dos Balcãs e da Hungria moderna.
Os pesquisadores realizaram vários testes
para eliminar a possibilidade de contaminação pelo trigo moderno,
incluindo tentando sequências de DNA das soluções químicas usadas nos
experimentos, mas sequências de plantas não foram detectadas. A única
conclusão possível é que o trigo domesticado havia realmente vindo do sítio caçador-coletor de Bouldnor Cliff, a equipe relatou na Science.
“O artigo é metodologicamente
impressionante”, afirma Fuller. Willerslev concorda: “O estudo é
bastante convincente”, ele diz, acrescentando que o DNA presente nos
sedimentos proporcionará “uma das mais antigas evidências de
agricultura” porque os grãos de cereais em si são menos suscetíveis de
serem preservados.
Então como eles domesticaram o trigo para
chegar à Grã-Bretanha 2000 anos antes de as pessoas começarem a
agricultura lá? A equipe de Allaby não pensa que os caçadores-coletores
cultivaram os grãos, porque nenhum pólen de trigo foi encontrado nas
amostras – o que era de se esperar caso o cereal tivesse passado pelo
seu ciclo de vida completo, incluindo a floração.
A equipe propõe que a agricultura deve
ter sido difundida a oeste da França muito antes do que se tem pensado,
há 7600 anos atrás, e assim apenas uma lacuna de 400 anos teria de ser
explicada. Mas Peter Rowley-Conwy, um arqueólogo da Durham University no
Reino Unido, rejeita essa sugestão. “Os autores não fazem justiça à
cronologia da expansão da agricultura”, ele se queixa, notando que
“milhares de grãos de cereais diretamente datados por radiocarnobo”
argumentam contra a agricultura na Europa Ocidental tão cedo. “Um estudo
de DNA desse tipo simplesmente não é suficiente para derrubar tudo
isso”.
Outra possibilidade, Allaby afirma, é de
que os caçadores-coletores do sul da Grã-Bretanha percorriam muito mais
para dentro do continente europeu do que previamente imaginado,
apanhando trigo ou produtos de trigo dos agricultores ao leste, e
trazendo para a Grã-Bretanha. Ele também sugere que na datação
convencional para a disseminação da agricultura, baseada claramente em
grãos de cereais detectáveis, pode estar faltando amostras mais antigas.
Allaby pode muito bem estar certo,
afirma Greger Larson, um biólogo evolucionista da University of Oxford
no Reino Unido. “Será que estamos subestimando o grau em que existiam
redes de intercâmbio entre agricultores e caçadores-coletores as quais
se estenderam muito mais longe no tempo e espaço? Talvez a única maneira
de buscá-las seja através de assinaturas de DNA”.
No entanto, Fuller diz que os novos
achados não necessariamente indicam que a disseminação da agricultura
deva ser radicalmente revisada. Ao invés, ele sugere, os pioneiros de
pequena escala, ambos agricultores e caçadores-coletores podem ter
estado “operando além da fronteira da agricultura”, enquanto esta se
disseminava a oeste em uma onda de avanço. O trigo pode ter sido parte
de troca ou intercâmbios culturais entre eles. Assim como especiarias
raras do leste são consideradas como mercadorias valiosas hoje, diz
Fuller, o trigo de Bouldnor Cliff pode ter sido simbolicamente carregado
e visto como “raro, exótico e valioso”, mais do que alguma coisa a ser
comida diariamente.
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