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domingo, 8 de março de 2015

DNA recuperado de sítio subaquático britânico pode reescrever a história da agricultura na Europa

 ROLAND BROOKES/THE MARITIME TRUST. Garry Momber da United Kingdom’s Maritime Archaeology Trust explora um sítio subaquático de 8000 anos atrás, onde trigo domesticado foi encontrado.

Por Michael Balter


Caçadores-coletores podem ter trazido produtos agrícolas às Ilhas Britânicas comercializando trigo e outros grãos com os primeiros agricultores do continente europeu. Essa é a conclusão intrigante de um novo estudo de DNA antigo de um acampamento caçador-coletor agora submerso ao largo da costa britânica. Se for verdade, o achado sugere que o trigo fez o seu caminho para a borda mais distante da Europa Ocidental 2000 anos antes de ter-se pensando que a agricultura tenha tomado conta na Grã-Bretanha.
O trabalho confronta arqueólogos “com o desafio de ajustar isso à nossa visão de mundo”, afirma Dorian Fuller, um arqueobotânico da University College London que não estava envolvido no trabalho.
Por décadas, arqueólogos pensaram que os primeiros agricultores do Médio Oriente mudaram para a Europa inicialmente há aproximadamente 10500 anos tendo substituído ou transformado as populações caçadoras-coletoras enquanto moviam-se para o Oeste, não alcançando a Grã-Bretanha até cerca de 6000 anos atrás. Mas essa visão já sofreu algumas alterações. Descobertas recentes, por exemplo, têm mostrado que alguns agricultores iniciais coexistiram com os caçadores-coletores já vivendo na Europa ao invés de rapidamente os terem substituído. Em 2013, pesquisadores relataram que, começando há cerca de 6000 anos atrás, agricultores e caçadores-coletores haviam ambos sepultado os seus mortos na mesma caverna na Alemanha e continuado a fazer isso por 800 anos, sugerindo que os dois grupos estivessem em contato próximo. Mais controversamente, pesquisadores afirmaram que há cerca de 6500 anos atrás caçadores-coletores na Alemanha e Escandinávia podem ter adquirido porcos domesticados por agricultores nas proximidades.
Os novos achados prometem perturbar ainda mais o cenário no qual a agricultura marchou constantemente de leste para oeste. Uma equipe liderada por Robin Allaby, um geneticista de plantas da University of Warwick no Reino Unido, estava procurando pela mais antiga evidência de plantas domesticadas nas Ilhas Britânicas. Os pesquisadores decidiram dar uma olhada em um sítio subaquático chamado Bouldnor Cliff, a 250 metros da costa, do povoado de Bouldnor no canto noroeste da Ilha de Wight. (A ilha está no Canal da Mancha próxima à costa sul da Grã-Bretanha).
Bouldnor Cliff, localizado 11 metros abaixo da superfície da água, foi descoberto em 1999, quando o United Kingdom’s Maritime Archaeology Trust posta em seu website, “uma lagosta foi vista jogando sílex trabalhados da Idade da Pedra, de sua toca”. Arqueólogos têm trabalhado no local desde então. O sítio foi claramente ocupado por caçadores-coletores , que podem ter construído barcos de madeira. A equipe de Allaby recolheu quatro amostras de núcleo de sedimentos a partir de uma seção do sítio com cascas de avelã queimadas aparentemente deixadas pelos caçadores-coletores e submeteram as amostras a ambas as datações por radiocarbono e análise de DNA antigo. As amostras de madeira e plantas foram datadas entre 8020 e 7980 anos antes do presente, após o sítio ter sido inundado pela elevação dos mares que criaram o Canal da Mancha e separaram a Grã-Bretanha da França.
Para a análise de DNA antigo, a equipe usou métodos pioneiros do paleogeneticista Eske Willerslev da University of Copenhagen para recuperar e sequenciar o material genético deixado em sedimentos mesmo após as plantas que o contiveram terem desintegrado. Como poderia se esperar, Allaby e seus colegas encontraram DNA de uma ampla variedade de árvores e plantas conhecidas em terem povoado o sul da Grã-Bretanha 8000 anos atrás, incluindo carvalho, choupo, e faia, juntamente com várias gramíneas e ervas. Mas a equipe também teve uma grande surpresa: entre as amostras de DNA havia dois tipos de trigo domesticado que se originaram no Oriente Médio e que não possuem ancestrais selvagens no norte da Europa. Isso significa que eles devem ter sido associados à original disseminação da agricultura do Oriente Médio, inciando há cerca de 10500 anos atrás, em vez de terem sido localmente domesticados. Ainda assim muitos arqueólogos supõem que por volta de 8000 anos atrás a agricultura não estava mais à oeste do que a região dos Balcãs e da Hungria moderna.
Os pesquisadores realizaram vários testes para eliminar a possibilidade de contaminação pelo trigo moderno, incluindo tentando sequências de DNA das soluções químicas usadas nos experimentos, mas sequências de plantas não foram detectadas. A única conclusão possível é que o trigo domesticado havia realmente vindo do sítio caçador-coletor de Bouldnor Cliff, a equipe relatou na Science.
“O artigo é metodologicamente impressionante”, afirma Fuller. Willerslev concorda: “O estudo é bastante convincente”, ele diz, acrescentando que o DNA presente nos sedimentos proporcionará “uma das mais antigas evidências de agricultura” porque os grãos de cereais em si são menos suscetíveis de serem preservados.
Então como eles domesticaram o trigo para chegar à Grã-Bretanha 2000 anos antes de as pessoas começarem a agricultura lá? A equipe de Allaby não pensa que os caçadores-coletores cultivaram os grãos, porque nenhum pólen de trigo foi encontrado nas amostras – o que era de se esperar caso o cereal tivesse passado pelo seu ciclo de vida completo, incluindo a floração.
A equipe propõe que a agricultura deve ter sido difundida a oeste da França muito antes do que se tem pensado, há 7600 anos atrás, e assim apenas uma lacuna de 400 anos teria de ser explicada. Mas Peter Rowley-Conwy, um arqueólogo da Durham University no Reino Unido, rejeita essa sugestão. “Os autores não fazem justiça à cronologia da expansão da agricultura”, ele se queixa, notando que “milhares de grãos de cereais diretamente datados por radiocarnobo” argumentam contra a agricultura na Europa Ocidental tão cedo. “Um estudo de DNA desse tipo simplesmente não é suficiente para derrubar tudo isso”.
Outra possibilidade, Allaby afirma, é de que os caçadores-coletores do sul da Grã-Bretanha percorriam muito mais para dentro do continente europeu do que previamente imaginado, apanhando trigo ou produtos de trigo dos agricultores ao leste, e trazendo para a Grã-Bretanha. Ele também sugere que na datação convencional para a disseminação da agricultura, baseada claramente em grãos de cereais detectáveis, pode estar faltando amostras mais antigas.
Allaby pode muito bem estar certo, afirma Greger Larson, um biólogo evolucionista da University of Oxford no Reino Unido. “Será que estamos subestimando o grau em que existiam redes de intercâmbio entre agricultores e caçadores-coletores as quais se estenderam muito mais longe no tempo e espaço? Talvez a única maneira de buscá-las seja através de assinaturas de DNA”.
No entanto, Fuller diz que os novos achados não necessariamente indicam que a disseminação da agricultura deva ser radicalmente revisada. Ao invés, ele sugere, os pioneiros de pequena escala, ambos agricultores e caçadores-coletores podem ter estado “operando além da fronteira da agricultura”, enquanto esta se disseminava a oeste em uma onda de avanço. O trigo pode ter sido parte de troca ou intercâmbios culturais entre eles. Assim como especiarias raras do leste são consideradas como mercadorias valiosas hoje, diz Fuller, o trigo de Bouldnor Cliff pode ter sido simbolicamente carregado e visto como “raro, exótico e valioso”, mais do que alguma coisa a ser comida diariamente.

Fonte/traduzido de: Science AAAS

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